sábado, 24 de outubro de 2015

FILME SOVIÉTICO

 
Tenho um vizinho russo, imigrado cá em Portugal já há anos e que é “canalizador, carpinteiro, marceneiro, pintor, mecânico, electricista, jardineiro, guarda-costas” e tudo o mais a que tem conseguido deitar a mão. Chamar-lhe-ei aqui ‘Sr Ivan’. O Sr Ivan é pouco mais velho que eu (50 e médios...) e era estudante universitário na URSS – julgo que de Engenharia - justamente bem no meio do curtíssimo reinado de Yuri Andropov 1982-1984 ( Юрий Андропов )
Ora estava um dia o meu amigo Ivan no cinema (matiné) assistindo a uma qualquer película filtrada pelo Regime; e eis que subitamente as luzes se acendem, a projecção é interrompida e a polícia invade o perímetro – mandando a todos levantar e identificar. Note-se que não estou aqui a falar de KGB ou outra qualquer sofisticada força de segurança: tratava-se sim da Melitia, a polícia (equivalente à PSP) que patrulha as ruas e acorre a conflitos; nada de extraordinário. No entanto, Ivan e uns quantos outros foram sem qualquer explicação detidos e prontamente levados na ramona para uma esquadra próxima. Quando finalmente foi interrogado (por um sargento, um comissário, um sub-chefe ou equivalente), a coisa processou-se nestes moldes amigáveis:
 
« - Qual é a tua profissão ?
« - Sou estudante… (confessou Ivan)
« - O que fazias no cinema ?
« - Assistia ao filme…
« - Não sabes que é época de exames e é preciso estudar ?
        Ivan embatucou:
« - Bem, eu ando a estudar; tenho estudado para os exames…
« - Mas estavas num cinema, ainda por cima de dia !?!? ... Vai lá para casa (um bairro de casas e apartamentos colectivamente partilhados por várias famílias / indivíduos) e não voltes a repetir; sabes o que acontece se não conseguires acabar o teu curso ».
Pelo que me disse Ivan “não era nada de trágico”, apenas não poderia ter trabalho no Estado e/ou Administração, consentâneo com as suas habilitações literárias – sendo forçado a aceitar o primeiro ou todo e qualquer outro emprego que lhe atribuíssem nos gabinetes estatais de colocação de mão-de-obra. Dessa forma, a taxa de desemprego era nula (era crime não trabalhar).
 
 
Não sei se a jovem Rita Rato do PCP apreciaria para ela este procedimento soviético;
Não sei se Mortágua ou Catarina gostariam de ser assim “engavetadas” sem poder rasgar ou queimar o soutien, aos berros (acho que se borrariam de medo);
 
 
O que sei é que nem na URSS, “igualdade de oportunidades era igual a igualdade de resultados” – pois eles bem sabiam que, para o bem comum, haveria sempre necessidade de alguém para desentupir fossas. Em Portugal não; os bebés já deviam estar a sair da Alfredo da Costa doutorados; todos eles.