domingo, 15 de janeiro de 2017

o suave milagre


 
 
 
Quem os viu e quem os vê. Este friso de endiabrados do funcionalismo e do 'nacional-sindicalismo' (o Dr. Rolão Preto que me perdoe), sempre prontos a reagir, a fazer greve, a cuspir fogo e a inventar lutas e jornadas, anda manso mansinho que até mete dó. Nogueira disse "que 4000 professores no quadro não chegava" - mas a sua expressão era beatífica e serena; Avoila tem ido ao cabeleireiro dia-sim dia-não desde que a geringonça encetou de forma amável as reposições, as progressões e as reversões. A dita esquerda meteu litros de óleos santos na engrenagem governamental - principalmente por via do "afinador de máquinas" que é Jerónimo e cujo emissário Arménio vai servindo fielmente de fiel. É lindo quando os homens se entendem, como diria o mui-progressista e moderno Vítor Melícias; e é mesmo ternurento quando os partidos se reúnem com os parceiros sociais e Arménio e Jerónimo trocam cumprimentos sinceros e espantados tendo estado juntos no Comité Central no dia anterior. Quem beneficia é o governo e toda a tralha partidária que o suporta - assim como os grupos chupistas e clientelares que orbitam S. Bento e que dele dependem para ordenados, cargos, subsídios e comissões (dinheiro). De resto, com a imprensa toda do lado de Costa num graxismo infame digno de um regime de partido único, não há notícia, acontecimento ou facto que seja considerado importante ou alarmante: quando o governo coloca dívida no mercado e os juros ultrapassam os 4% "Costa desvaloriza" e diz-se que "este 'movimento' dos juros não é importante". Note-se bem: os juros "não sobem"; têm um "movimento". De qualquer modo, os valores do crescimento são temporários e ilusórios - porque Portugal não produz mais, não cria produtos indispensáveis a outras paragens, não exporta com vigor e de modo sustentado, não tem matérias primas valiosas, não fabrica tecnologia de ponta, não tem uma banca sólida - e o número de convivas à mesa da segurança social e do serviço nacional de saúde vai aumentar e não diminuir.
 
Mas não há problema: o governo é de esquerda.
 


quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

a procissão




Cheguei a pensar ingenuamente que Soares “seria velado na sede do PS, ao Rato” e que de seguida seria enterrado enquanto eram lidas exaltadas odes e dadas operárias ou intelectuais salvas de palmas, com vivas à República. Qual quê. O Rato serviu principalmente como centro Soares-Multimédia e para recolher plebeias condolências mal escritas em ‘balancetes’ maçudos adquiridos na Papelaria Fernandes e adaptados para o efeito. O Rato serviu ainda para concentrar os desclassificados que não poderiam ter lugar na cerimónia principal – e para funcionar como zona afunilada que desse a ideia de enchente humana ou de multidão agradecida.
Como seria de esperar – para quem conheceu o personagem e a respectiva entourage – a Soares estava reservada uma caprichosa cerimónia simultaneamente dispendiosa, incómoda, desorganizada, desequilibrada e inestética: uma espécie de híbrido entre um funeral de estado e a ida de uma excursão às barracas de tiro e de algodão doce da Feira Popular.
 
Obviamente que se Sá Carneiro por lá passou, se por lá vai jazendo o nosso bravo Luís Vaz e se lá deram o nó Dom Duarte Pio e Dona Isabel de Herédia, Mário Soares também teria de ir direitinho para os Jerónimos – mesmo sendo todo o Conjunto Edificado consagrado à Santa Custódia de Cristo. Como Soares era “agnóstico” o protocolo, a família, os espertos e o Patriarcado inventaram umas esfarrapadíssimas justificações e arranjaram-lhe ternamente câmara na mui-desatravancada “Sala dos Azulejos” (que queridos…), que é periférica (de esguelha) à Nave Central da Igreja. No centro depositaram o respeitável esquife; e logo perto-pertinho um busto verde (!...) da pobre mulher de peitos secos e achatados envergando o barrete frígio – a República (um artefacto absurdo que deve ter vindo de S. Bento). Pífio, patético. Mas adiante.
Pequena multidão de reformados e desocupados arrebanhada em camionetes para emoldurar o acontecimento com cabeças, óculos escuros e lágrimas mal contidas. Discursos e mais discursos, palavras e mais palavras; trambolhos políticos como Ferro Rodrigues chateando com a sua leitura de colegial; a sentida saudade de Costa via satélite; o epitáfio afectuoso de Marcelo; a apatetada ternura elegíaca do Regime de 76. O caixão desfilou depois em silêncio pelas ruas feias da Cidade deserta, batidas por uma luz triste. Ora a bandeira nacional não era legítima e teve de ser substituída…; a guarda de honra era composta por soldados de alturas desiguais que deram tiros de salva dessincronizados no tímpano do colega...
Só para rir; Soares deambulou pelo claustro e pela Cidade transportado por guardas – os tais que “deviam ter desaparecido”; e escoltado por outros que tais montados em equídeos castanhos usados pelo Corpo de Intervenção. Gostando de beber e comer bem, de galhofar e de dar lição para auditórios numerosos e respeitosos, de ocupar tempo e espaço de maneira arredondada mas açambarcadora Mário Soares pregou assim uma múltipla partida à Autoridade do Estado, à Igreja, à Fé dos simples (os quais ele desprezava profundamente) e à própria República, pois Soares sempre se considerou muito mais importante que o seu ideário republicano ou que o seu próprio País.
Mal na fotografia ficaram o Regime e as Instituições, que não têm grandeza, princípios, solidez, objectivos, orgulho ou tradição. O costume.
 
 


JOHN LEE HOOKER 'Face to Face'



PRONTO: A DEMOCRACIA JÁ PODE VOLTAR A IR ÀS PUTAS.


 

segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

"MARCELO DOPADO: injecta-se com 'heroína' para aguentar as cerimónias fúnebres de Soares"



 
 

Mágoa Profunda e Sentida Saudade




MANOEL de OLIVEIRA queria filmar "O Gavião dos Mares" em formato 70mm...



... com Mário Soares como protagonista; e a Plataforma das Artes já havia destinado verba para a produção. Todavia foi-lhe proposta em alternativa, na altura da discussão do Projecto, a Realização das cerimónias fúnebres do antigo PR quando o momento chegasse. E ele aceitou.


Questionado acerca da possibilidade do 'DOLBY Stereo', o realizador declarou "não estar ainda preparado para esse salto tecnológico" - preferindo para as cenas de rua a introdução de legendas de fotograma integral com as onomatopeias dos eléctricos, das buzinas das bicicletas, dos rumores das saias das senhoras e dos apitos dos sinaleiros.