terça-feira, 19 de julho de 2016

A Turquia de Sócrates

 

 
Se alguém tivesse dúvidas acerca do ‘porquê’ ou necessidade de um golpe de estado na Turquia elas teriam sido dissipadas nos últimos dias: desde que a tentativa foi frustrada e que Erdogan recuperou o seu escritoriozinho com o seu telefone, “já foram presas mais de 13.000 pessoas”; e em apenas 24 horas “já havia cerca de 6.000 detenções, sendo que metade seriam juízes (!)”. Tendo em conta as investigações que em 2013 foram levadas a cabo na Turquia visando a corrupção do partido no poder e a cleptomania pessoal do presidente, a detenção de mais de 3.000 juízes torna-se facílima de explicar. A súbita vontade de recuperação da pena capital como ferramenta de dissuasão e vingança também é eloquente; junta-se desse modo a tempo às preparadas “pequenas alterações” à Constituição Turca – aquelas que dilatarão de forma absurda os poderes presidenciais e que lhe permitirão a permanência no cargo indefinidamente, sem prazos, sem explicações, sem oposição. Juntemos a isto o encerramento em marcha de jornais e televisões críticas do regime, assim como a perseguição a jornalistas, e o fim da liberdade de imprensa será uma realidade gritante. O fecho ou censura aos ‘twitters’ e o recrudescimento do islamismo fanático e retrógrado são a cereja no bolo turco - presente hoje em dia em qualquer boa edição do “Manual do Ditador” (DIY Dictat) disponível nos escaparates russos, venezuelanos, chineses, sauditas, líbios etc.
 
 
Ao recordarmos a meteórica passagem que Hitler fez de Chanceler da República Federal para Fuhrer ou as atmosferas meigas e humanistas vividas nos países acima mencionados, gastamos energia em excesso e chafurdamos inutilmente na Ciência Política: para encontrar um paralelo de “Ascensão e Rapina” em pequena escala mas suficientemente recente para poder ser estudado em laboratório (como o Bacilo do Tifo) basta pensarmos domesticamente em Sócrates.
 
José Sócrates que depois de ser PM duas vezes seguidas, esperava (antes da crise…) vir a ser eleito PR – cumprindo o seu projecto pessoal de Poder e Glória apoteoticamente delirante. O seu percurso de governo e golpismo é recheado de episódios para todos os gostos, desde a patusca questão do silenciamento administrativo do professor Charrua até à gravíssima mordaça imposta ao Correio da Manhã por meio de uma juízazeca cúmplice e de doutorecos serventuários. Deixou-se tentar pelo luxo e cercar por generosíssimos amigos, cujos bolsos abarrotavam misteriosamente de milhões. Enquanto governante fez lei facilitadora do regresso/ingresso de capitais de origens mais ou menos pardacentas apenas sancionado com coimas irrisórias. No meio ficaram os aterros sanitários, o Freeport, a ameaça a jornalistas, a tentativa (bem sucedida) de neutralizar a TVi, a promiscuidade na venda da PT, o ajuste directo de obras públicas a pretexto “de maior flexibilidade”, o Heron Castillo, o apartamento em Paris, os ténis Prada.
Erdogan é porém outro tipo de animal: lidera o 2º maior exército da NATO e um país enorme que já foi Império; rouba à grande e castiga à grande – mandando matar e torturar conforme lhe apetece. E tem em conclusão (para si) um “novo palácio presidencial” rico de grandiosidade pirosa.
À ferocidade de Sócrates assentava bem o ensaio para um Culto da Personalidade - que já se adivinhava como corolário natural de tudo em que se metia. Mas os seus devaneios arquitectónicos privados ficaram-se pelo anexo abarracado no quarteirão da Abade Faria (nº33).
 
 
Banditismo Otomano ou banditismo Luso: uma questão de tamanho.