Tenho
um vizinho russo, imigrado cá em Portugal já há anos e que é “canalizador,
carpinteiro, marceneiro, pintor, mecânico, electricista, jardineiro,
guarda-costas” e tudo o mais a que tem conseguido deitar a mão. Chamar-lhe-ei
aqui ‘Sr Ivan’. O Sr Ivan é pouco mais velho que eu (50 e médios...) e era
estudante universitário na URSS – julgo que de Engenharia - justamente bem no
meio do curtíssimo reinado de Yuri
Andropov 1982-1984 ( Юрий Андропов )
Ora
estava um dia o meu amigo Ivan no cinema (matiné) assistindo a uma qualquer
película filtrada pelo Regime; e eis que subitamente as luzes se acendem, a
projecção é interrompida e a polícia invade o perímetro – mandando a todos levantar
e identificar. Note-se que não estou aqui a falar de KGB ou outra qualquer
sofisticada força de segurança: tratava-se sim da Melitia, a polícia (equivalente à PSP) que patrulha as ruas e
acorre a conflitos; nada de extraordinário. No entanto, Ivan e uns quantos
outros foram sem qualquer explicação detidos e prontamente levados na ramona para
uma esquadra próxima. Quando finalmente foi interrogado (por um sargento, um comissário,
um sub-chefe ou equivalente), a coisa processou-se nestes moldes amigáveis:
«
- Qual é a tua profissão ?
«
- Sou estudante… (confessou Ivan)
«
- O que fazias no cinema ?
«
- Assistia ao filme…
«
- Não sabes que é época de exames e é preciso estudar ?
Ivan embatucou:
«
- Bem, eu ando a estudar; tenho estudado para os exames…
«
- Mas estavas num cinema, ainda por cima de dia !?!? ... Vai lá para casa (um
bairro de casas e apartamentos colectivamente partilhados por várias famílias /
indivíduos) e não voltes a repetir; sabes o que acontece se não conseguires
acabar o teu curso ».
Pelo
que me disse Ivan “não era nada de trágico”, apenas não poderia ter trabalho no
Estado e/ou Administração, consentâneo com as suas habilitações literárias –
sendo forçado a aceitar o primeiro ou todo e qualquer outro emprego que lhe atribuíssem
nos gabinetes estatais de colocação de mão-de-obra. Dessa forma, a taxa de
desemprego era nula (era crime não trabalhar).
Não
sei se a jovem Rita Rato do PCP apreciaria para ela este procedimento
soviético;
Não
sei se Mortágua ou Catarina gostariam de ser assim “engavetadas” sem poder rasgar
ou queimar o soutien, aos berros (acho que se borrariam de medo);
O
que sei é que nem na URSS, “igualdade de oportunidades era igual a igualdade de
resultados” – pois eles bem sabiam que, para o bem comum, haveria sempre
necessidade de alguém para desentupir fossas. Em Portugal não; os bebés já
deviam estar a sair da Alfredo da Costa doutorados; todos eles.