"É de manhã que se começa o dia". Este inteligentíssimo
adágio assenta como uma gorra felpuda à indigente e estulta política doméstica:
é de manhã que os media ventilam a
última balela de Costa e esclarecem o cidadão sobre a nova maneira
que a Geringonça encontrou para lhe ir ao bolso - ao mesmo tempo que ela confirma
categoricamente o fim da Austeridade.
As verdadeiras notícias também costumam chegar
de manhã a este país-esplanada: a uma hora em que ainda se dorme nos EUA, o que
é importante aconteceu mais cedo (a Leste) em países e paragens influentes; e a
Lusa já teve tempo suficiente para as filtrar, deformar, omitir, censurar,
capar, rasurar, interpretar e difundir de maneira ideológica.
Felizmente existe para comparação a TV por
cabo com um sem número de noticiários internacionais que acabam por nos informar
decentemente. Ou seja, à parte aqueles acontecimentos que provocam nas nossas
televisões o excitante rodapé de "última hora" (que se prolonga por várias horas com
modorra), a partir do meio-dia é improvável tomar conhecimento de algo que não
seja geriatria ou puericultura.
Para finalizar com dignidade a nossa branda
manhã à portuguesa persiste e resiste um programa vulgar, difundido pela Sic,
que anda há anos pelos écrans e que começou pretensiosamente com o nome de "Querida
Júlia", recentemente alterado para o
título idiota de "Queridas Manhãs". Verifico fascinado que ele existe e admiro o seu conteúdo quando, justamente no fim da manhã, me
desloco ao tasco para tomar café.
A dada altura, no desenrolar do
'espectáculo', chega-se à rubrica d'O Crime – com reportagens em directo dos funestos
locais. As notícias sucedem-se, horripilantes: «homem de 40 anos assassinou
mulher e sogra a tiros de caçadeira», ou «Esta manhã, no Relógio, um 'feirante'
baleou com arma de guerra um agente da PSP».
O sangue
vai escorrendo e os comentadores residentes vão opinando com volúpia acerca
de vítimas, de criminosos, de psicopatas, enfim acerca da lástima nacional – propositadamente
comprimida de forma onanística para aqueles 30 ou 45 minutos. O programa é voyeur,
moralista e alcoviteiro. De entre os doutos comentadores sobressai um jornalista especializado que dá pelo
nome de Hernâni Carvalho. Fica mal a este homem rebaixar-se pela sua participação
ruidosa no chulo "Queridas Manhãs". Mas é preciso viver…