Agora que se vão completar 99 anos sobre a
data em que os bolcheviques puderam finalmente deitar a mão à tão cobiçada garrafeira
de Nicolau II – invadindo os salões vazios do Palácio de Inverno e estilhaçando
cavalarmente os cristais – também por cá se ensaiaram algumas revoluções na rentrée, sendo que uma das mais
interessantes foi anunciada pelo Bloco de Esquerda e fez manchete no DN há mais
de uma semana: “Revolução na Ria Formosa arranca em Outubro”. Tratava-se
simplesmente de resolver de uma vez por todas a questão das barracas e das
casas clandestinas que salpicam a paisagem como nódoas fecais, e que se tem arrastado
por décadas. Neste país de desordem, de desvergonha e de rasquice de costumes,
nem a Tutela nem o dito Poder Local tinham
conseguido (ou querido) fazer cumprir a Lei. Vamos a ver se é desta, ou se vai
apenas prosseguir o falatório prolongando medonhamente a questão e remetendo este
Anúncio Revolucionário ao costumeiro ridículo.
Também Marcelo, a pretexto da funesta data
do 5 de Outubro, fez saber à plebe babosa “que iria atribuir a Manuel Alegre uma
condecoração pelo seu passado de lutador pela liberdade” (ou coisa que o valha).
Repare-se nisto; aquando da campanha para as eleições presidenciais, Manuel
Alegre fartou-se de bradar às orelhas quentes do eleitorado o arrepiante aviso
sob a forma de pergunta: “Cuidado! Será que quereis outro presidente de direita
?!?”. Segundo o trombone-mor do lirismo nacional, a direita é uma coisa de tal modo má, pestilenta e radioactiva que o seu
patético alerta se justificava perfeitamente. O PR, porém, puxando do seu
ideário católico mais pacificador, resolveu rematar fraternalmente a coisa atirando sem qualquer malícia ao
peito de quem o demonizou, uma apetecível e meiga rodela de batata. Manso arranjinho,
enternecedor edílio: um faz uso da serôdia política dos afectos (que não víamos desde que o lacrimejante Jorge Sampaio
deixou a Presidência) estendendo parvamente uma Comenda ao tonitruante indivíduo;
este, esquecendo o perigo da infecciosa direita, apressa-se a aceitá-la…
Eis Outubro.